terça-feira, 28 de julho de 2009

Cuide-se

O fim é tão fatalista. Na verdade está implícito (ou explícito, até) em qualquer começo. Com o perdão do uso (inapropriado) do título de Gabo, o fim é como “uma morte anunciada” desde o princípio. Mas, mesmo assim, ninguém espera por ele.
Todos morreremos. Triste? Sim. Fato? Sem dúvida. No entanto, ninguém espera pela morte. A gente simplesmente vive. Esquece que um dia tudo isso acaba. O mesmo acontece em relacionamentos amorosos. O fim está lá, mas ninguém vai pensar nele. Claro que não (e ainda bem).
Com sorte (tremenda) o término pode acontecer pela morte de um dos apaixonados - quando estiver bem velhinho (sem nenhuma morbidez). No entanto, o comum é que ocorra a morte figurada mesmo. Sim, porque o fim de um relacionamento é como uma morte em vida. Mas o que quero ressaltar aqui é a falta de cuidado do fim
.
Isso está explícito em todos os términos (quando ambos estão vivos, claro). No final, ninguém tem a preocupação (real) de dedicar alguns parênteses de cuidado no discurso, na mala, na entrega da chave, no bater da porta.
O choro não expressa cuidado. Pode ter (sim) o significado de culpa de um por deixar o outro, a incompatibilidade mútua, a vontade contida de dizer algo que não é possível traduzir em palavras. Mas não é cuidado. Definitivamente. Cuidar é outra história.
Em geral, as pessoas demonstram esse sentimento ao terminar as cartas, emails, bilhetes... Quando antes acabavam com “eu te amo”, a última notificação por escrito segue com o lacônico “cuide-se”. Querendo dizer: A partir de agora você deve se cuidar sozinha(o). E você pensa: Ok, obrigado pela dica (?).
Veja como exemplo o caso da artista plástica Sophie Calle que ganhou o mundo pelas bem traçadas linhas do email que recebeu do então namorado escritor. O fim teve o famoso “cuide-se” ou prenez soin de vous (fica mais bonito).
É claro que os finais sempre vão existir. E é claro que ninguém imagina um jeito bacana disso acontecer. Sempre será complicado, difícil, arrasador. Quem toma a decisão, em geral, é o monstro da relação - quando na verdade está tentando viver melhor. Somos seres difíceis, tentando entender um mundo sem muito sentido. Chegaremos aos 90 (com sorte) ainda sem ter a menor ideia (tenho certeza). Mas cuidar é entender que uma mensagem final não apaga o fim. Encare. Converse. Chore (se preciso for). Não aconselhe. Deixe que cada um cuide de si. Afinal, ninguém precisa dessa indicação para tal. Somos bem grandinhos (ao menos, teoricamente), não?

*O Convidado Surpresa. Grégoire Bouillier, Ed. Cosac Naify.

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