quarta-feira, 20 de maio de 2009

Em tempo algum

O que dizer depois que o final já passou? Como agir quando não há quase nada a dizer? Como falar quando são tantos assuntos? Como fingir que tudo o que aconteceu foi uma bobagem antiga e superficial, quando por dentro você ainda lembra (em detalhes) toda a agonia que sentiu?
Depois que uma relação termina todo o amor que ora queimava, vira desamor. Todo o carinho se transforma em crueldade. Toda verdade é uma grande mentira. Em geral, é assim. Dificilmente vivemos términos suaves. Sem brigas, nem mágoas. Alguém sempre sai mal na história. Assim deve ser o fim, não? Senão, talvez fosse o começo.
O fim do amor é como uma morte anunciada por uma das partes (ou das duas). A partir daquele dia, você não tem mais nenhuma obrigação (nem mesmo moral) de saber da família ou dos amigos do outro. Assim como não precisa mais saber do outro. Aliás, você nem deve saber deles (não vai ser bom pra você). É a morte do amor. Tão importante que deveria ter velório, cortejo, enterro – sim, porque o luto já existe.
Aí, o tempo vai passando e você vai bloqueando histórias na sua memória. Com os anos você nem se esforça mais para lembrar – apesar de saber que estão todas ali. Algum lugar no seu cérebro guarda aquela caixa amarrada com uma fita vermelha.
Quando você acredita ter superado, alguém erra o caminho e para a sua frente. No primeiro momento, frieza e gentileza forçada. Depois, um derrame de verdades cruéis jogadas no chão desastrosamente. Em seguida, a raiva contida. E o suicídio (do amor, claro).
Mas a verdade (de cada um) está apenas no pensamento. Ninguém sabe. Ninguém entende. Ninguém ousa falar. O motivo do encontro pode ter sido armado, pode ser por um acaso do destino. Pode estar escrito em algum lugar que não se vê ou lê... Mas eles estão ali. Como ignorar?
No amor não há regra. Não há razão. Não há como negociar nada. Ou se ama, ou não. Ou se está junto, ou não. Se morre e se mata a partir de motivos imbecis e sem sentido. No amor, isso é viver.
Assim é o para sempre de qualquer relação. Mesmo que o para sempre não exista jamais, em tempo algum.

* Eu sei que vou te amar. Arnaldo Jabor. Ed. Objetiva.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Gullar me espanta

Para ser poeta é preciso enxergar mais longe (ou seria mais profundo?). “A poesia surge do espanto”, disse Ferreira Gullar. Tem mais coisa aí. A poesia de Gullar vem da alma, não sei. Como ateu, ele discordaria. Mas acredito mesmo que ele veja mais do que vemos. Sinta mais do que sentimos. Ou, descreve tudo isso com tanta clareza que realmente espanta.
Esse deve ser o grande sofrimento de um poeta. Viver como uma ferida aberta, exposta ao vento, ao frio, ao quente, ao calor... Ter a fixação pela paixão e pelo fim dela, como Vinícius. O poeta traduz a dor, o amor, a vida e a morte. Revela sentidos. Abre caminhos. Enxerga o coração.
O poeta indica e escreve sobre as escolhas de uma vida. Ser feliz ou ser triste. Você constrói. Você decide. Você é quem sabe. E eu me pergunto: como? Posso fazer como ele e dizer que “talvez eu nasça amanhã”. Sem escolhas. Sem expectativas. Sem sentido.
Precisa de sentido? Para quê exatamente? Descobri a poesia recentemente (confesso) e passei a acreditar que ela é a literatura que define a vida (primeiro do poeta, depois do leitor, como diria o próprio Gullar). Define nossas escolhas (burras, em geral). Nosso choro, nossa preguiça, nossos desejos. O poema pode nos traduzir (ou não, claro).
O poema é como um gatilho. Quando (sinceramente) disparado pode transformar nossas vidas, nos matar ou ainda (o que é bem mais provável) fazer com que nos perguntemos: por que nunca parei para ler isso antes? E é como me sinto nos últimos meses.
Assim é a poesia. Melhor: assim é (na minha opinião) a poesia de Ferreira Gullar.

* Poesia Completa, Teatro e Prosa. Ferreira Gullar. Ed. Nova Aguilar