quarta-feira, 6 de maio de 2009

Gullar me espanta

Para ser poeta é preciso enxergar mais longe (ou seria mais profundo?). “A poesia surge do espanto”, disse Ferreira Gullar. Tem mais coisa aí. A poesia de Gullar vem da alma, não sei. Como ateu, ele discordaria. Mas acredito mesmo que ele veja mais do que vemos. Sinta mais do que sentimos. Ou, descreve tudo isso com tanta clareza que realmente espanta.
Esse deve ser o grande sofrimento de um poeta. Viver como uma ferida aberta, exposta ao vento, ao frio, ao quente, ao calor... Ter a fixação pela paixão e pelo fim dela, como Vinícius. O poeta traduz a dor, o amor, a vida e a morte. Revela sentidos. Abre caminhos. Enxerga o coração.
O poeta indica e escreve sobre as escolhas de uma vida. Ser feliz ou ser triste. Você constrói. Você decide. Você é quem sabe. E eu me pergunto: como? Posso fazer como ele e dizer que “talvez eu nasça amanhã”. Sem escolhas. Sem expectativas. Sem sentido.
Precisa de sentido? Para quê exatamente? Descobri a poesia recentemente (confesso) e passei a acreditar que ela é a literatura que define a vida (primeiro do poeta, depois do leitor, como diria o próprio Gullar). Define nossas escolhas (burras, em geral). Nosso choro, nossa preguiça, nossos desejos. O poema pode nos traduzir (ou não, claro).
O poema é como um gatilho. Quando (sinceramente) disparado pode transformar nossas vidas, nos matar ou ainda (o que é bem mais provável) fazer com que nos perguntemos: por que nunca parei para ler isso antes? E é como me sinto nos últimos meses.
Assim é a poesia. Melhor: assim é (na minha opinião) a poesia de Ferreira Gullar.

* Poesia Completa, Teatro e Prosa. Ferreira Gullar. Ed. Nova Aguilar

Um comentário:

  1. Eu acho que foi Mario Quintana, quem disse numa entrevista, que é também poeta aquele que lê e gosta de poesia. Aquele que quando lê, pensa "é exatamente isto que eu sinto e que gostaria de ter escrito" - O quê admira a beleza da palavra, a paixão envolvida, a melodia, enfim, não tem a necessidade que lhe expliquem o poema, não precisa saber de métrica, rimas, tercetos, dísticos, ele apenas sente.

    Gostar de Ferreira Gullar, de alguma forma, é ser poeta também. Falo por você.

    eufias.

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