quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Criando personagens

O ano virou e a gente mal percebeu. Tudo tão rápido, tão urgente que quase não deu pra ver o carnaval passar (sim, porque um ano só vira depois da festa pagã). Mas ele passou. E, se janeiro escapuliu pelas minhas mãos, fevereiro segue pelo mesmo caminho. Assim.. sem mais.
Quando a gente ultrapassa mais um ano, dá uma sensação de que tudo pode ser divinamente novo, como se pudéssemos mudar a nossa personalidade e contar a nossa vida através de novos personagens. Todos sem muletas, sem atalhos, sem remendos. Todos tirados do tapete vermelho ou de uma novela do Manoel Carlos, tanto faz.
A gente pula uma nova onda, muda a trilha sonora (de casa, do carro) e pretende ver um outro filme passar - desde que não seja nada parecido com o que já conhecemos. Chega. Queremos nosso protagonista muito mais bonito, simpático e charmoso. Por isso, a mocinha deve ser uma mulher elegante, inteligente e brilhante. Nova vida aos nossos personagens! Um roteiro novinho em folha, sem falas decoradas, sem final previsível, sem tristeza.
Aí, pra passar o tempo e criar as novas personalidades, a gente abre um livro aqui, outro ali, lembra daquele acolá... e não consegue decidir qual terminar primeiro. A cada dia, você se reconhece em um deles. Ora está para a indignação de Caim, ora na feitiçaria do Sumiço da Santa, as vezes lembra de Quando Nietzsche Chorou (e você com ele)... e em alguns momentos ainda coloca sua Cama na Varanda, só para sentir um outro tipo de brisa.
Assim começo mais um ano. Cheia de planos, expectativas e esperança - afinal, ela é mesmo a última a morrer (acho, até, que dura uns seis meses mais).

* Caim. José Saramago. Companhia das Letras
* O Sumiço da Santa. Jorge Amado, Companhia da Letras
* Quando Nietzsche Chorou. Irvin Yalom, Ed. Ediouro
* Cama na Varanda. Regina Navarro Lins, Ed. Best Seller

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Aponte para o amor

Já namorei um (ou mais) Richard Bach. Já estive presente quando o medo foi maior do que o amor. Já vi muralhas imensas isolarem todo tipo de sentimento. Eu estava lá. Ele estava lá, mas estávamos tão sozinhos e tão entediados.
Tenho um pouco de Richard Bach em mim. Procuro a perfeição inexistente. Questiono a vida presente e a passada. Crio teorias sobre coisas sem a menor importância. Sou crente, mística e, ao mesmo tempo, descrente, cética.
Não entendo de finanças, odeio lidar com números e, assim como Richard, acredito que as pessoas criariam mais músicas, mais romances, mais literatura caso não tivessem de lidar com eles.
Meu lado Leslie Parrish fracassou. Minha defesa sobre o amor não alcançou níveis tão profundos, tão convincentes (em qualquer relacionamento). Talvez porque ela não tinha as dúvidas que eu sempre tive (e tenho). Ela sabia, acreditava. Lutou, gritou, falou o que queria. Avisou que era tudo ou nada – e por muitas vezes quase ficou sem nada. Venceu. Não ela, mas seu amor.
Leslie conseguiu provar que contra o amor não há nenhuma força. Nada é maior, nada se faz mais presente. Nada é tão importante. Só ele, esse sentimento puro e falível (como todos). Ele, Richard, acreditou nela. Entendeu e, mais do que isso, a amou profundamente (justamente por sua intensidade e sinceridade). Ele percebeu que a perda o mataria.
“A soma de um e um, se são os certos, pode ser o infinito”, ela diz e comprova que acreditar no amor pode fazer com que a vida seja mais intensa, mais viva, mais feliz. Sim, haverá sofrimento mas será suprimido, amparado e ficará no passado - se houver amor.
O infinito dos dois está nos aviões, rodopiando pelo ar. Está nas músicas de Bach tocadas ao piano. Mas isso, pouco importa (na verdade). Pois tudo pode se tornar realidade se você acreditar e (principalmente) se entregar.

* A Ponte para o Sempre. Richard Bach. Ed. Record.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Ensinamentos de Fernão

Começo esse texto com um pedido de desculpas. Problemas, excesso de trabalho, seguidos pelas férias e a retomada são minhas principais explicações. Sei que não tenho um compromisso burocrático, porém assumi uma coluna e mal consigo manter. Culpo essa vida maluca cheia de contratempos, tristezas e mutações. Paciência.
A verdade é que gente vai crescendo e vai dando uma vontade tremenda de parar e deixar a vida seguir sozinha. Sem esforço e (de preferência) sem complicações ou cansaço. Queremos olhar de fora, como se nem estivéssemos mesmo ali (participando). Tendemos esperar, sem pressa, que algo extraordinário aconteça.
Mas a verdade é que nada deve (ou pode) ser assim. Estamos vivos e isso já basta para que não paremos nunca. Claro que dá preguiça. Assim como tudo na vida. Você termina um relacionamento, conhece outra pessoa e tem preguiça de começar todos os jogos amorosos novamente. Você está insatisfeito no trabalho, mas tem sono quando começa a prestar atenção nos sites de emprego. Assim é a vida, não é?
Não. Ou, pelo menos, não deveria ser. De volta ao mundo da literatura (com muito prazer), leio Fernão Capelo Gaivota. Uma velha leitura (quase) infantil, escrita por um autor que tem um quê de filósofo. De lá vieram vários pensamentos de luta, reação e interesse... uma ave mostra que podemos ser tudo aquilo que quisermos alcançar. Podemos traçar qualquer caminho, desde que não desistamos nunca.
Fernão é apaixonado, intenso. “Supere o espaço e tudo o que nos sobra é o aqui. Supere o tempo, e tudo o que nos sobra é o agora”. Chego a conclusão que, entre o “aqui” e o “agora” muita coisa pode mudar, desde que você queira, deixe, se permita e, principalmente, lute. Sem medo de cair – até porque, cair faz parte da nossa essência. Foi assim que aprendemos a andar... É aprendizado. Superação.

* Fernão Capelo Gaivota. Richard Bach. Ed. Record.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Futebol, Xico e Romantismo

Graças a Tarrafa Literária pude espiar uma figura (que admiro) a falar sobre um assunto que adoro: Xico Sá (é a figura) e futebol (foi o assunto). Dele, ouvi (como sempre) poucas e boas, assim como de seus companheiros de mesa Matthew Shirts e o mediador Vladir Lemos. Juntos, eles nos fizeram entrar em campo – apesar de parecer mais uma discussão de bar - ou seja, coisa boa mesmo.
“Nunca o futebol vai dar certo no Brasil”, profetizou Graciliano Ramos. Errou feio, o pobre. Não só deu certo como virou a mais famosa “paixão nacional”. O futebol faz parte da cultura nacional e não existe nenhum preconceito a respeito. O futebol é o esporte da massa, da garra (essa, as vezes, duvidosa), do grito, do choro e da cantoria.
Por tudo isso é que não precisamos criar histórias sobre o assunto. Pois o assunto em si já faz sua própria história. “Cada um faz uma ficção diferente do mesmo jogo”, afirma Xico (com x) com razão. O futebol é tão fascinante que nem mesmo os torcedores de um único time enxergam o jogo igualmente (principalmente se um vê pela TV, o outro ouve no rádio e o outro está no estádio).
Outra defesa desse santista (torcedor) - com um pé no Icasa e outro no Sport - é a falta de tristeza de alguns torcedores no Brasil. “Acho lindo quando a torcida fica triste, muda. Com as torcidas organizadas não tem tristeza, eles mal vêem o jogo. Sou mais a favor da tristeza, nesse caso, do que a alegria burra”. Pensei bastante nisso. A torcida do Grêmio é linda cantando (inegável), mas a mudez também tem seu charme. Um estádio calado, depois de um gol perdido aos 45 do segundo tempo, mostra o humor de cada torcedor. Unifica todos eles.
A discussão mais boba desses três personagens foi com relação às mulheres e o futebol. Sei que ainda sou exceção. Sei que a maioria não gosta, não liga, não se preocupa com seu time e apenas diz que é torcedora - sem ter a menor ideia qual a classificação do time na tabela.
Por isso, tenho um recado: Meninos, isso não é verdade (ao menos, não absoluta). Tem um monte de mulher por aí (e conheço várias) que gosta de seu time, torce, vai ao estádio e (pasmem) assiste ao Cartão Verde, Troca de Passes, etc. A única coisa realmente certa é que a gente não carrega o sofrimento do jogo por muito tempo. Depois da derrota, aceitamos (facilmente) um beijo, um carinho, mais uma cerveja e aí... passamos a ter certeza de que tudo será melhor no próximo jogo. Esse é nosso romantismo dentro e fora de campo.

* Modos de Macho & Modinhas de Fêmeas. Xico Sá, Ed. Record.

* O dia em que me tornei... Santista. Vladir Lemos, Panda Books.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

História na Tarrafa

“O passado deve ser não um exemplo, mas uma lição”, assim indicou Mário de Andrade, e assim ouvi de Zuenir Ventura em uma das mesas da Tarrafa Literária. Ele, Laurentino Gomes e Jorge Caldeira discutiam mais do que os jornalistas além muros (tema). Discutiam a história do jornalismo, das pessoas, dos escritores, do Brasil – com os erros e os acertos desse “país do futuro”.
Para mim, a frase de Mário serve para tudo na vida, claro. Mas, pensando em história os dois autores, que (segundo Zuenir) pularam a cerca do jornalismo numa espécie de adultério consentido, falaram de coisas marcantes. Assuntos e frases que podemos levar como opinião, crítica e repertório das nossas próprias vidas.
Uma dessas frases veio de Caldeira, quando disse da dificuldade de explicar o que deu certo. “O que dá certo não parece importante”. Ele tem razão. Quantas vezes temos a vida perfeita e nos vimos sem muito assunto? Pense bem. Assim como Vinicius de Moraes precisava do sofrimento de uma paixão incontrolável para viver (e escrever), talvez precisemos de um problema para contar. Quando a vida está boa (particular), falamos mal do chefe (sendo que ele nem é tão mau assim), do salário (que possibilitou a viagem do ano passado), do namorado (que mandou flores) e, claro, do Brasil (esse, sem parênteses).
Já Laurentino deu um grande tema de bar falando da existência, quando avisou que no túmulo da Marquesa de Santos diz algo como: “Se você veio aqui para me julgar, melhor que não venha. Se veio rezar minha alma, seja bem-vindo”. 200 anos depois a mulher se defende e ataca quem ela nem conheceu em vida. Isso mostra que os seres humanos são mesmo complicados. Estamos em busca da perfeição (ou da razão disso tudo), mas não queremos ser questionados jamais.
Assistindo aquela discussão toda, cheguei a duas conclusões. A primeira de que o jornalismo é mesmo uma profissão diferenciada. Profissionais que conseguem (ou deveriam conseguir) se colocar no lugar dos outros (simplesmente porque somos todos ‘outros’). A segunda é que como brasileiros erramos. Estamos há 400 anos votando mal, elegendo gente ruim –disse Caldeira - e não aprendemos lição nenhuma com isso (o que nos faz voltar e refletir sobre a frase de Mário).
Para concluir, Zuenir saca a frase de gênio: “Na história do Brasil só 10% é mentira, o resto é invenção”. Concordo e complemento: se a gente for esperto, é possível fazer o mesmo com a nossa própria história (talvez assim ela fique mais interessante).


*1808. Laurentino Gomes, Ed. Planeta do Brasil.

* Maua- O empresário do Império. Jorge Caldeira, Cia das Letras.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O amanhã virou história

Amanhã não terá água. Amanhã o lixo vai nos sufocar. Não vai mais ter árvore na Amazônia. Então, o que nos resta é viver como se não houvesse amanhã, diriam alguns. Talvez seja mesmo verdade, considerando todo o pessimismo na criação de novas gerações.
O que aconteceu com o amanhã? O amanhã acabou? Virou mesmo lenda? Creio que foi vencido pelo imediatismo. Uma pena. Sinto falta da esperança que eu reservava para o amanhã.
Sempre deixava para amanhã o que hoje seria uma bobagem fazer e, agora, não há mais esse tempo. Julgava que amanhã poderia esperar um melhor salário, um grande amor, a viagem dos sonhos... fora (claro) os políticos honestos, um Brasil melhor. Agora, queremos o sol, porém rezamos para que ele não derreta mais nada, enquanto ficamos embaixo de uma sombra qualquer.
A esperança morreu? O que aconteceu com os jovens? A geração passada lutou contra ditadura. A minha pintou a cara e saiu nas ruas. A nova reelegeu o mesmo cara que tiramos do poder e nada consegue fazer contra sarneys da vida e todos os seus genros (seja lá quantos aparecerem). Não os culpo. Afinal, se o amanhã não existe, pra que se abalar? Vamos todos nos preocupar com nossas próprias (e já complicadas) vidas.
O romantismo, idealismo e outros tantos ismos estão em baixa. Infelizmente, muitos deles ainda se explodem em algum lugar do mundo. Mas por aqui (no ocidente) não há muito o que fazer. Nos perdemos em nós mesmos. Apostamos nossas fichas em mudança, mas pouco se viu.
Não levanto bandeira política nenhuma. Aliás, se conseguisse, seria anarquista (mas uma força maior me faz votar). Zuenir me fez ver que a paixão de 68 tem muito a ver com a personalidade de toda uma geração. Uma paixão que hoje não existe pelo simples fato de que não cabe mais. Não faz mais parte do nosso repertório. Não está na nossa veia. Não tem mais cadência no nosso samba. Não tem censura. E, assim, o sonho do amanhã virou história. Virou livro. Somente isso.

*1968 - O que fizemos de Nós. Zuenir Ventura, Ed. Planeta.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Acredite

Será que o amor está fadado a tristeza? Amar é sofrer? No dicionário essas não são palavras sinônimas (definitivamente). Na teoria o amor deveria vir entre sorrisos, felicidade, mãos dadas, pé na areia no final do dia, olhares cúmplices e beijos. Muitos beijos.
Mas não é assim. Para muitos autores, a paixão vem (sempre) acompanhada de lágrimas. E, pior, o ser apaixonado parece até gostar do sentimento ruim. A depressão, o choro contido, a espera ingrata está em toda angústia de quem ama. Que horror!
De verdade, histórias como Tristão e Isolda ou mesmo Romeo e Julieta são lindas nos livros, no cinema, nos palcos. Na vida real, não queremos nada daquilo. Nem o final trágico (principalmente), nem a vida como mocinhos tristes, esperando em sacadas ou atormentados pela família. Não dá.
Escrever sobre o amor virou uma infinidade de palavras dolorosas, profundas e cheias de peso. Em todo romance que se preze a gente chora. Emoção (sim) tem relação com amor (claro), mas será que apenas (e somente) sofrimento?
O ceticismo nos deixou tão cegos e sóbrios, que nos tornou também burros. A idade tem feito com que tenhamos a péssima mania de não acreditar mais em finais felizes. Começamos histórias sabendo que vão terminar - até esperamos por isso a qualquer minuto. Sim, sei que já escrevi sobre o fatalismo do fim, mas será mesmo que devemos pensar sempre assim?
O otimismo não deveria estar embutido no discurso de quem ama? Afinal, existem casais que nasceram uns para os outros, não? Poucos, é verdade. Raros? Sem dúvida. Mas, existem. São casais que amam e dançam juntos há mais de 15, 30, 45 anos e não se imaginam sem sua cara metade.
Se conseguirmos tirar a pedra que carregamos em nossos pés ou as amarras que vez ou outra prendem nosso grito de fuga, conseguiremos também acreditar. Acreditar que o amor pode durar. Que pode se aperfeiçoar ao longo do tempo e fazer com que nossos corações rejuvenesçam, cresçam e aprendam outro tipo de beleza: a eternidade.

* Romance de Tristão e Isolda. Joseph Bedier, WMF Martins Fontes.